quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Ao raiar do dia

   O primeiro raio de sol perfurou o quarto com uma sutileza agradável. Diante das pálpebras levemente cerradas de Aya, passavam os flashes da noite anterior. Toda sua família estivera ali, todas as duas famílias haviam comparecido. A música ainda ressoava em sua cabeça e a fazia esboçar um sorriso incrível. Era um costume dela ficar alguns minutos lembrando-se de coisas boas antes de abrir os olhos, isso fazia seu dia ser completo. O calor do cobertor criava um sentimento de aconchego e paz. Algo estava diferente... O peso no dedo anelar esquerdo era algo totalmente novo. "Recém-casada. Estou recém-casada!", pensou animada. Abriu os olhos para admirar a aliança de ouro e reparou em uma gotícula de sangue invadindo o esmalte branco. Franziu o cenho em admiração e espanto.
 - Querido... - era praticamente anormal pensar que havia se casado com o homem que estava deitado ao seu lado. Foi virando devagar para admirar o rosto de seu marido e notou algo meio molhado na cama. - O que aconteceu... – À medida que se virava na cama, uma sensação ruim a invadia. Algo viscoso causava uma má sensação em suas costas. Foi então que o terror a invadiu por completo. A sensação de medo a paralisou e nenhum som conseguiu sair de sua boca. Havia uma poça enorme de sangue no local onde seu marido deveria estar. O sangue tomava conta de toda a parte direita da cama, invadindo o espaço em que ela estava deitava em alguns centímetros. Seu braço direito estava com uma mancha seca, indicando que havia algum tempo que aquilo havia acontecido.
    Ver toda aquela cena terrível a fez pular da cama e se encolher, trêmula, no canto da parede. Tudo estava vermelho e com um odor horrendo de ferrugem e sal. Àquela altura, o choro era inevitável e ele vinha em espasmos desordenados e com soluços barulhentos, além da enorme vontade de vomitar. Foi necessário que o relógio marcasse, em seu ritmo habitual, longos minutos até que ela conseguisse pensar em algo coerente. “telefone... Preciso do telefone, preciso ligar para a polícia.”. Levantou-se de supetão e foi correndo, de olhos fechados, até a porta. Abriu-a lentamente, e admirou a paz gritante do silêncio de sua casa. Tudo na mais perfeita ordem. Olhou novamente para o quarto e uma lágrima de dor contornou-lhe a face. Havia muito sangue, não podia ser de uma só pessoa... Mas não havia nenhum corpo.
    Fechou a porta do quarto como se fosse possível apagar todo o horror que havia lá dentro e foi andando com cuidado para a cozinha. Cada passo parecia conter um peso anormal. Fitou o telefone por alguns segundos antes de perceber que havia um post it verde grudado nele. Aya inclinou a cabeça levemente e sentiu um ódio profundo ao ver aquilo, era a marca que seu marido mais gostava. Completou os passos que faltavam até o telefone e leu:
“Nada disso é culpa sua. Apenas viva como se eu nunca tivesse existido. Amo-te.”

   Com toda certeza, aquele era o pior dia de sua vida. E com toda certeza aquela cena tenebrosa seria algo que permearia por toda sua vida e todos os dias antes de abrir os olhos.

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