sexta-feira, 18 de abril de 2014

Insignificante.

Este texto está sujeito a alterações. 


  Quando sofri o acidente não pensei em nada. A intensidade dos fatos me deixou muito ligada no que estava acontecendo, era tudo muito vivo - o carro voando, o impacto, os estilhaços de vidro na minha cara, tudo rodando, tudo desaparecendo - acordei atordoadíssima no hospital, sem ao menos saber o que tinha acontecido, já que eu suspeitara de ter sido um sonho. Nesse momento olhei pra minha mão esquerda. Estava cicatrizado, um ferimento muito profundo e feio que vinha da parte esquerda do pulso até a altura da base do dedo mindinho, fazendo uma transversal sinuosa que me lembrava um mapa de montanhas.
   Meu rosto. O que aconteceu com meu rosto? Era só o que conseguia pensar. O tato me faltava e meu desespero aumentava, até que localizei um vidro qualquer, talvez uma janela, não consegui identificar. Tentei levantar e os aparelhos apitaram. Não demorou muito para algumas enfermeiras assustadas entrarem correndo no quarto. "Ela acordou!", exclamavam. Claro que acordei, idiotas.
 - Como está meu rosto? - perguntei não reconhecendo minha voz.
 - Sra. Amanda, você sofreu um terrível acidente e ficou em coma por quatro meses... Não desconfiávamos que você acordaria...
 - Quatro... Meses? - só podia ser brincadeira - Como está meu rosto?
   Meu pavor aumentou quando elas se entreolharam aflitas. "Não deve ser negado", disse a mais velha. Trouxeram um espelho. Hesitei. Todos me olhavam meio torto, com medo da minha reação, por isso imaginei algo bem monstruoso pra amenizar o choque. O problema é que, quando é permanente e com a gente, não importa o quão "bom" esteja, sempre vai parecer terrivelmente inaceitável. Tomei coragem e olhei. Era horrível. Fiquei segurando o espelho por longos minutos, esperando as lágrimas saírem.
   Meu olho direito estava encolhido de uma forma sinistra. parecia que alguém tinha esticado demais e depois tentado colocar no lugar após a pele ter perdido toda elasticidade. O lado direito inteiro do meu rosto continha riscos cicatrizados. Era grotesco. E o pior: Era eu. Uma careta eterna e permanente.
   Quando eu saí do hospital foi a pior sensação por mim já experimentada. Todos me olhavam... e doía. Eu era linda. A beleza era tudo o que não havia em mim. Eu era um monstro. Todos fugiam de mim, ou era o que eu queria pensar. O fato é que foi insuportável reviver... Todas aquelas histórias de superação... Nenhuma delas tinha uma face acabada. 
   Julguem-me. Eu devia ter morrido quando o carro capotou cinco vezes e explodiu cacos de vidro na minha cara. Não acredito que era pra ter saído viva. Portanto, juntei todas pílulas da casa de minha mãe que consegui encontrar, inclusive os remédios controlados dela e tomei. Esse foi meu segundo fim.

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