Era dotada de histórias ousadas que a faziam parecer a rainha máxima da coragem e bravura. Em uma delas até afirmava que o dono não mandava nela, mas a verdade, meu amigo, a verdade fere.
Notar a variação de humor, comportamento e identidade era muito fácil, bastava o dito dono chegar. Ela era uma cadela muito bem treinada. Antes de o tal dono pisar na porta de casa, ela ia correndo recebê-lo, não importava o que estivesse fazendo, estivesse comendo, brincando, dormindo ou até banhando. Caso não fizesse isso, era brutalmente agredida.
Certa vez, quando os vira-latas da rua - vulgo família - a chamaram pra um evento especial, o dono a trancou no quarto e encheu a fraca consciência dela com as asneiras sobre os vira-latas: "Eles não te consideram, se considerassem te fariam rainha, tal qual como faço." A mentira acalmava a pobre cadela. Esse tipo de animal merece esses mal tratos, esse é o pior tipo de entorpecimento: a aceitação cega de uma situação que pode ser contornada, de algo que pode ser extinto com uma atitude simples. Mas a aceitação é maior que a situação, a zona de conforto é muito grande. O pior de tudo, talvez, fosse o fato de esse ser ter consciência humana.
Com o passar do tempo, a máscara caiu. O peso suportado por anos se tornou insuportável e a pobre cadelinha se matou. Como não bastasse o sofrimento em vida, os vira-latas a condenaram ao inferno pelo ato de tirar a própria vida. Sua alma queimou pela eternidade, no inferno ilusório, porque almas assim nunca terão a capacidade de se libertar e enxergar a verdade.
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