O primeiro raio de sol perfurou o quarto com uma
sutileza agradável. Diante das pálpebras levemente cerradas de Aya, passavam os flashes da noite anterior. Toda
sua família estivera ali, todas as
duas famílias haviam
comparecido. A música ainda ressoava em sua cabeça e a fazia esboçar um sorriso
incrível. Era um costume dela ficar alguns minutos lembrando-se de coisas boas
antes de abrir os olhos, isso fazia seu dia ser completo. O calor do cobertor
criava um sentimento de aconchego e paz. Algo estava diferente... O peso no
dedo anelar esquerdo era algo totalmente novo. "Recém-casada. Estou
recém-casada!", pensou animada. Abriu os olhos para admirar a aliança
de ouro e reparou em uma gotícula de sangue invadindo o esmalte branco. Franziu
o cenho em admiração e espanto.
- Querido... - era praticamente
anormal pensar que havia se casado com o homem que estava deitado ao seu lado.
Foi virando devagar para admirar o rosto de seu marido e notou algo meio
molhado na cama. - O que aconteceu... – À medida que se virava na cama,
uma sensação ruim a invadia. Algo viscoso causava uma má sensação em suas
costas. Foi então que o terror a invadiu por completo. A sensação de medo a paralisou
e nenhum som conseguiu sair de sua boca. Havia uma poça enorme de sangue no
local onde seu marido deveria estar. O sangue tomava conta de toda a parte
direita da cama, invadindo o espaço em que ela estava deitava em alguns
centímetros. Seu braço direito estava com uma mancha seca, indicando que havia algum
tempo que aquilo havia acontecido.
Ver toda aquela cena
terrível a fez pular da cama e se encolher, trêmula, no canto da parede. Tudo estava
vermelho e com um odor horrendo de ferrugem e sal. Àquela altura, o choro era
inevitável e ele vinha em espasmos desordenados e com soluços barulhentos, além
da enorme vontade de vomitar. Foi necessário que o relógio marcasse, em seu
ritmo habitual, longos minutos até que ela conseguisse pensar em algo coerente.
“telefone... Preciso do telefone, preciso
ligar para a polícia.”. Levantou-se de supetão e foi correndo, de olhos
fechados, até a porta. Abriu-a lentamente, e admirou a paz gritante do silêncio
de sua casa. Tudo na mais perfeita ordem. Olhou novamente para o quarto e uma
lágrima de dor contornou-lhe a face. Havia muito sangue, não podia ser de uma
só pessoa... Mas não havia nenhum corpo.
Fechou a porta do quarto
como se fosse possível apagar todo o horror que havia lá dentro e foi andando
com cuidado para a cozinha. Cada passo parecia conter um peso anormal. Fitou o
telefone por alguns segundos antes de perceber que havia um post it verde grudado nele. Aya inclinou
a cabeça levemente e sentiu um ódio profundo ao ver aquilo, era a marca que seu
marido mais gostava. Completou os passos que faltavam até o telefone e leu:
“Nada disso é culpa sua. Apenas viva como se eu nunca tivesse
existido. Amo-te.”
Com toda certeza, aquele
era o pior dia de sua vida. E com toda certeza aquela cena tenebrosa seria algo
que permearia por toda sua vida e todos os dias antes de abrir os olhos.